- Nº 2105 (2014/04/3)
Rodoviários respondem à manobra da Antrop

Disponibilidade <br>para rejeitar

Trabalhadores

Ao pretenderem que passe a vigorar o «tempo de disponibilidade», a associação patronal e as empresas de transporte rodoviário de passageiros querem alargar horários de trabalho e deixar de pagar horas extra.

A denúncia feita pela Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações foi corroborada com a luta dos trabalhadores da Transportes Sul do Tejo, da Rodoviária de Lisboa e da Rodoviária do Tejo, no dia 28 de Março, sexta-feira.

Na Margem Sul, a greve de 24 horas teve uma adesão superior a 90 por cento, que constituiu «uma poderosa resposta dos trabalhadores ao aumento da exploração e à arrogância e prepotência patronal», como considerou a Direcção da Organização Regional de Setúbal do PCP, numa nota publicada no dia da luta. A Fectrans/CGTP-IN afirmou que esta foi a maior greve dos últimos três anos.

Num plenário, realizado na sede da TST, no Laranjeiro (Almada), foi discutida a iniciativa da administração de pedir a caducidade do acordo de empresa, para colocar os direitos laborais nos mínimos legais, que o Governo e a sua maioria já anunciaram querer mais uma vez modificar para pior.

Ficou decidida nova greve de 24 horas, a realizar ontem, bem como uma semana de recusa de trabalho para além do horário normal. Durante a greve, os trabalhadores iriam concentrar-se junto à delegação de Almada da Autoridade para as Condições do Trabalho.

À administração da TST e aos grupos parlamentares ficou decidido pedir reuniões, para expor as razões do protesto.

No mesmo dia, foram realizadas greves nas rodoviárias do Tejo e de Lisboa, ambas do Grupo Barraqueiro, com índices de adesão de mais de 50 por cento, na primeira, e «menor, mas significativa» na segunda. Durante as greves, a federação e o seu sindicato no sector rodoviário, o STRUP, promoveram uma concentração, junto à sede do grupo, no Campo Grande (Lisboa).

O Grupo Barraqueiro tem forte influência na associação patronal, onde se cruzam os grandes interesses neste sector. É demonstrativo que o presidente da Antrop, Luís Cabaço Martins, tenha sido eleito como representante da TST, embora comummente seja apresentado como administrador da Barraqueiro e da Fertagus.

Os negócios da Barraqueiro e da Arriva cruzam-se hoje na Viaporto (Prometro), que explora o Metro do Porto, mas nos idos anos de 2002 e 2003 o grupo inglês (adquirido em 2010 pela Deutsche Bahn) comprou a Transportes Sul do Tejo ao Grupo Barraqueiro.

 

Mais por menos 

Na concentração do pessoal das Rodoviárias de Lisboa e do Tejo, foi aprovada uma resolução, que começa por lembrar que os trabalhadores das duas empresas têm um rendimento disponível cada vez menor, «em virtude das políticas de austeridade impostas pelo Governo e aproveitadas pelo patronato para impor baixos salários e o aumento da precariedade».

As actualizações salariais aplicadas por acto de gestão (sem negociação) são, assim, insuficientes «para garantir aos trabalhadores uma vida digna a que têm direito».

As empresas são acusadas de procurarem o aumento da exploração de quem trabalha, pela via da redução dos salários, mas também com o aumento da jornada de trabalho, que pretendem agora obter através da imposição do tempo de disponibilidade.

A finalidade dos patrões é «colocar os trabalhadores mais tempo ao dispor do patronato, pagando-lhes menos e, com isso, descaracterizando o trabalho extraordinário, cujo valor estão obrigados a aumentar a partir de 1 de Agosto deste ano e também, por esta via, fugirem à obrigação de conceder dias de descanso compensatório».

Tendo presente as propostas que a Antrop entregou à Fectrans, na resolução avisa-se que «o objectivo final do patronato do transporte rodoviário de passageiros é acabar com a contratação colectiva existente, em cada empresa e no sector, como forma de implementar relações de trabalho a seu belo prazer, em que a tónica seja mais tempo de trabalho e menos salários».

 

Velhas intenções

A estratégia das transportadoras, orientada pela sua associação patronal, foi contestada vivamente pela Fectrans, num comunicado de 27 de Março, a dar conta de que a Antrop lhe entregou «um documento, com o qual quer estabelecer o processo de negociação para a revisão do contrato colectivo» e onde «retoma um conjunto de matérias que os trabalhadores, ao longo dos anos têm rejeitado e que visa, unicamente, aumentar os tempos de trabalho, o que se traduz numa redução de salário».

É precisamente de salários, mas no que toca ao seu aumento, que a federação pretende tratar com os representantes patronais. Mas, para tal, a Fectrans e os sindicatos vão desenvolver uma campanha de discussão e esclarecimento nas empresas.

A organização do tempo de trabalho é a matéria mais volumosa, na descrição que a federação faz da proposta patronal. A Antrop quer que o período normal de trabalho possa chegar a 60 horas semanais ou 12 diárias, num período de referência de um ano; quer dispor de instrumentos como o «banco» de horas, os horários concentrados e o trabalho intermitente; o «tempo de disponibilidade» surge em relação às interrupções na jornada de trabalho, como uma das alternativas para reduzir o pagamento aos trabalhadores.

«Despedirem-se da família e irem para as empresas 24 horas por dia» seria o que restava ao pessoal, se tais propostas vingassem, protesta a Fectrans. Já o patronato, poderia «aumentar o tempo de trabalho, deixando de pagar trabalho extraordinário e deixando de estar obrigado a conceder dias de descanso compensatório».

A federação afirma que os patrões procuram ainda, com estas alterações, contornar a obrigatoriedade de aumentar o valor do trabalho extraordinário, a partir de 1 de Agosto, após o Tribunal Constitucional ter reprovado as respectivas normas do Código do Trabalho revisto.

A Antrop quer ainda que o período considerado trabalho nocturno seja reduzido em três horas, para os novos trabalhadores; quer que as diuturnidades possam ser substituídas por um «prémio» de desempenho (trocando um direito a que se acede com um certo tempo de serviço, por uma regra subjectiva, que faria depender o pagamento de critérios dos patrões); propõe alargar a noção de local de trabalho de dois para quinze quilómetros (o que permitia mudar trabalhadores sem lhes pagar deslocações); quer alargar o conteúdo funcional da categoria de motorista, para deixar de pagar o subsídio de «agente único»; propõe ainda que o período experimental passe para 180 dias (seis meses) em todas as funções que impliquem um grau especial de responsabilidade (o que abrange, segundo a Fectrans, motoristas, fiscais, caixas, bilheteiros, tesoureiros, entre outros).